Abutres Que Respeitam Fronteiras

Pesquisadores revelaram que abutres que vivem na Espanha raramente ultrapassam a fronteira com Portugal, embora não exista nenhum tipo de barreira física. O limite político acabou tornando-se uma barreira ecológica por causa das diferentes políticas públicas de saneamento. Na Espanha, carcaças de gado podem ser deixadas no campo, enquanto em Portugal estas carcaças devem ser recolhidas. O estudo foi publicado no periódico Biological Conservation.



Um novo artigo, publicado recentemente na revista  Biological Conservation, analisou as estratégias de forrageamento de 71 abutres - 60 abutres-fouveiros (Gyps fulvus), também conhecido pelo nome de grifo e 11 abutres-pretos (Aegypius monachus), também chamado de abutre-cinéreo - monitorados por GPS na Espanha e que vivem na região fronteiriça luso-espanhola (que é largamente definida pelos vales dos rios e não está associada a nenhum mudança abrupta ou sistemática em termos de clima, topografia ou cobertura terrestre). 
Esta pesquisa fascinante revelou que esses abutres raramente passam a fronteira portuguesa. A modelagem sugere fortemente que isso não era por causa de nenhum habitat, espécie ou diferenças individuais, mas por uma razão muito  simples: porque o Portugal e a Espanha têm políticas sanitárias radicalmente diferentes, sendo o gado morto permitido permanecer nos campos na Espanha para alimentar os abutres, enquanto em Portugal são recolhidos pelas autoridades. 
Isso resultou em uma situação paradoxal em que países vizinhos em uma região ecológica contínua podem aplicar diferentes critérios, como ocorre na Península Ibérica. Na Espanha, lar de cerca de 95% dos abutres europeus, os agricultores podem deixar algumas carcaças para abutres em grandes extensões do campo, onde ocorrem abutres - o que beneficiou não só as espécies em extinção, mas os próprios agricultores, que economizaram tempo e dinheiro, e o contribuinte espanhol e o planeta - já que os esquemas de remoção e processamento de carcaça, custos e poluentes poderiam ser minimizados. Em contrapartida, as autoridades governamentais portuguesas ainda exigem que os criadores de gado retirem animais mortos do campo (Decreto-lei 38/2012), com exceção de algumas estações de alimentação de limpadores (todas localizadas perto da fronteira espanhola) que podem ser fornecidas com carcaças de gado. 
A consistente pesquisa de Arrondo e seus colaboradores mostra que, como resultado, a fronteira entre espanhóis e portugueses atua como uma barreira quase impermeável - isso pode ser claramente visto nos mapas acima. Os autores observaram que houve declínio abrupto no número de locais de abutre na fronteira espanhola-portuguesa, e a modelagem mostrou que é improvável que isso esteja relacionado às diferenças na cobertura terrestre ou na topografia, mas simplesmente com as diferenças na disponibilidade de recursos tróficos, ou seja, carcaças da pecuária extensiva, resultante da aplicação diferencial da legislação sanitária europeia. 
Este é um nítido estudo de caso sobre como as diferenças na aceitação das regulamentações da União Européia em todos os países podem afetar a conservação do abutre. O artigo sugere a necessidade de uma maior integração das políticas sanitárias e ambientais a nível europeu e estabelece um caso claro para as autoridades veterinárias portuguesas harmonizar a regulamentação nacional com a espanhola - em benefício dos abutres, criadores de gado e os cidadãos como um todo. O estudo é um bom exemplo de como um limite político acaba sendo uma barreira ecológica devido a diferenças nas políticas de manejo da vida selvagem.
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