A Vida Dura da Biologia Evolutiva na União Soviética Comunista

Esta postagem nasceu a partir de uma visita que fiz casualmente ao blog Biologia do Envolvimento de  Eduardo Bouth Sequerra, biólogo formado pela UFRJ e doutor pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, atualmente pesquisador da Universidade da Califórnia (EUA). De forma admirável, ele divulga o trabalho de biologia evolutiva desenvolvido pelo biólogo evolucionista Ivan Schmalhausen (foto) durante o regime comunista da União Soviética na década de 1940.
"Existem muito poucos textos traduzidos deste autor", diz Eduardo Sequerra em seu blog. "O seu único livro traduzido para o inglês chama-se 'Fatores da evolução: A teoria de seleção estabilizadora'. Este também não é um livro muito fácil de achar. A rede de bibliotecas da Universidade da Califórnia não o tem mas acabei encontrando pra vender na internet. Ele foi publicado em 1946 na União Soviética e a tradução para o inglês foi publicada em 1949. Naquela época, a síntese neo-darwinista ignorava o papel da embriologia para a evolução. A teoria de herança mendeliana tinha muita força e já que os alelos davam origem ao fenótipo, seja lá o que acontecesse durante o desenvolvimento seria somente a leitura de uma mensagem pré-estabelecida. O grande conceito introduzido por Schmalhausen neste livro, como o próprio título diz, é o de seleção estabilizadora." De acordo com Schmalhausen “as seleções dinâmica e estabilizadora sempre atuam juntas. Por um lado, o ambiente externo muda gradualmente mas continuamente de maneira que o papel dinâmico da seleção e as variações herdáveis da norma possam ser detectadas. Por outro lado, o lento processo de seleção estabilizadora está o tempo todo causando surgimento de mecanismos reguladores que protegem a norma de distúrbios por influencias externas.”
A vida de um biólogo na antiga União Soviética não era lá das mais fáceis. "Uma das consequências do capitalismo sobre o pensamento biológico ocidental foi a criação de um individualismo excessivo", diz o autor do blog. "Tudo para a biologia ocidental é a sobrevivência do mais forte até que atingimos o auge com a publicação nos anos 70 da ideia de que o importante mesmo é o gene e nós somos simples máquinas de replicar genes, o indivíduo dentro do indivíduo (a idéia é anterior na verdade mas ficou popular com “O gene egoísta” de Richard Dawkins). Isso tem tudo a ver com os conceitos capitalistas de liberdade individual e propriedade privada", acrescenta Sequerra.
Na União Soviética comunista havia um tal de Lysenko.
"O Lysenko era um cientista de origem humilde, o que era muito valorizado pelo partido comunista que tinha como princípio substituir a elite intelectual russa por uma nova inteligência, vinda do proletariado. O Lysenko propôs o conceito de vernalização que era um método onde ele conseguia através do tratamento de sementes importadas, fazer com que qualquer planta crescesse nas frias condições russas através de um simples tratamento com frio. Mas a verdade é que o Lysenko inflava os resultados positivos e ignorava os negativos. A ideia de que ele conseguia impor a herança de um caractere adquirido às plantas cultivadas (a resistência ao frio) era oposta à ideia de herança genética. Assim, o Lysenko, que lá pelas tantas já tinha se infiltrado no partido e era muito forte politicamente, iniciou uma caça aos geneticistas. Segundo o próprio, estes acreditavam em “uma substancia hereditária mítica-endossada por Weissman com características de existência contínua, sem experimentar o desenvolvimento, e ao mesmo tempo controlando o desenvolvimento de um corpo perecível.”.
"Em agosto de 1948, o ministro da educação superior da URSS assinou uma série de ordens que em resumo causou a destruição da disciplina genética naquele país. Nesta época, Schmalhausen era professor de darwinismo na Universidade de Moscou e diretor do Instituto pela Morfologia Evolutiva. Ele foi imediatamente demitido e teve seus livros e projetos científicos destruídos. Lysenko utilizou trechos do “Factors of Evolution” para se referir a Schmalhausen como um pro-Morganista (Morgan foi o primeiro a publicar uma síntese Darwin-Mendeliana), idealista genético. Diferente de muitos geneticistas de carreira que foram presos e/ou desapareceram, Schmalhausen era um morfologista e conseguiu se estabelecer novamente como pesquisador sênior do Instituto de Zoologia da Academia de Ciências pesquisando anatomia e embriologia comparadas de peixes e anfíbios. Mas ele morreu em Moscou em 1963, antes de ver a queda de Lysenko em 1965 e a retomada da genética na União Soviética."

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