História da Sexologia no Brasil

O comportamento íntimo, a educação sexual e os distúrbios associados ao sexo não são temas recentes no Brasil. Nos anos 1920 e 1930, no Rio de Janeiro e em outras cidades, essas questões estavam nos jornais, em programas e novelas de rádio,  livros e revistas e eram debatidas em encontros de especialistas. 

No início dos anos 1930, a questão da sexualidade estava em evidência no Brasil, em especial no Rio de Janeiro. O tema tornou-se tão popular que, no carnaval de 1935, o tradicional clube carnavalesco Fenianos levou às ruas um carro alegórico chamado ‘A educação sexual’. 
Em 1928, ao publicar A neurastenia sexual e seu tratamento, o neurologista Antônio Austregésilo Rodrigues de Lima (1876-1960), professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, dizia ter escrito o livro devido ao “crescido número de consulentes nervosos, atacados de neurastenia sexual”, que vinha tratando em seu consultório.

Nos anos seguintes, a capital da República iria assistir à realização de cursos populares sobre sexologia e a comemorações especiais (como o ‘Dia do Sexo’), além de ouvir programas de rádio sobre sexo e acompanhar nos jornais diários notícias sobre campanhas de educação sexual.
O público brasileiro começava de fato a consumir com gosto publicações sobre a sexualidade e seus problemas. Ao ser publicado, no final dos anos 1920, o clássico A questão sexual, do psiquiatra e neurologista suíço Auguste Forel (1848-1931), vendeu os três mil exemplares da primeira edição em apenas dois meses. Êxitos editoriais como o desse livro levariam às livrarias da cidade um fluxo crescente de obras sobre sexo. O livro de Forel foi publicado na coleção ‘Biblioteca de Estudos Psicossexuais’, da editora Civilização Brasileira. Além dessa editora, outras lançaram, na época, coleções semelhantes. A editora Calvino, por exemplo, organizou várias coleções com temas sexuais nos anos 1930 – ‘Cultura Sexual’, ‘Estudos Sexuais’, ‘Biblioteca de Divulgação Sexual’ e, a partir de 1941, a coleção ‘Freud ao Alcance de Todos’. Entre seus autores estavam Gastão Pereira da Silva e José de Albuquerque. O primeiro título publicado pela editora José Olympio, em 1932, foi Conheça-te pela psicanálise, do norte-americano Joseph Ralph. O segundo título contratado pela nova editora, embora não publicado,  foi A moral sexual e felicidade na vida, do dinamarquês Jorgen Peter Muller (1866-1938). Essas primeiras escolhas de um editor iniciante parecem indicar que essa espécie de ‘autoajuda’ sexopsicológica era, naquele momento, um investimento seguro.
Os primeiros sexólogos e psicanalistas logo abririam consultórios, partilhando a clientela que Antônio Austregésilo dizia ser tão numerosa e carente. No Rio de Janeiro da primeira metade do século 20, a nascente sexologia era representada por dois médicos: o gaúcho Hernani de Irajá (1895-1969) e o carioca José de Oliveira Pereira de Albuquerque (1904-1984).
Irajá cursou a faculdade de medicina em Porto Alegre, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde ficou conhecido por extensa produção técnica e literária e por seu talento como pintor. Considerado à época um artista ‘moderno’, especializou-se em nus femininos, participando de inúmeros salões e exposições. Mantinha ainda um consultório para consultas sexológicas que era divulgado em suas publicações.
Albuquerque formou-se em medicina no Rio de Janeiro e, ao longo dos anos 1930, notabilizou-se por lutar em prol da educação sexual e da institucionalização da andrologia, nova ciência que deveria dedicar-se ao estudo dos problemas sexuais do homem. Fundou dois periódicos especializados: o Jornal de Andrologia (1932-1938) e o Boletim de Educação Sexual (1933-1939), órgãos oficiais de duas instituições também criadas por ele: o Círculo Brasileiro de Educação Sexual e o Centro Coordenador de Estudos em Andrologia. Entre 1936 e 1938, Albuquerque foi professor da primeira (e ao que parece única) cátedra de clínica andrológica que existiu em uma universidade brasileira – a Universidade do Distrito Federal. Em 1937, candidatou-se a deputado federal com uma “plataforma sexológica”. Manteve um consultório especializado no diagnóstico e tratamento da impotência, e lançou no mercado o Venereol, preventivo para as chamadas doenças venéreas.
Um dos principais objetivos dos livros publicados em todas essas coleções era divulgar a forma correta de interpretar os próprios conflitos e problemas. Livros, revistas e programas radiofônicos buscavam levar as pessoas a falar sobre seus sentimentos e dúvidas com um especialista. Era ele – e não o padre, os pais ou um amigo – a pessoa indicada a ouvir tais confidências. E o modo como esses especialistas lidavam com as experiências dos clientes (e leitores) colocava em xeque os comportamentos ditados pela tradição. Da educação dos filhos, passando pela virgindade feminina e chegando à sexualidade no casamento, os com- portamentos mais íntimos migravam da seara da tradição para a visão supostamente neutra da ciência. Esse processo, que ainda dava seus primeiros passos, era uma via de mão dupla. De um lado, os especialistas buscavam inculcar novas normas de comportamento. De outro, a elite era movida pelo desejo de se modernizar.
Texto adaptado do artigo "Sexologia e Psicanálise" de Jane Russo e Sérgio Carrara (Ciência Hoje Nº 301)

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