Revistas de Alto Impacto Podem Fazer Mal à Ciência

Artigo de ganhador do Nobel de Medicina de 2013 no The Guardian afirma que a cultura de supervalorização de certas revistas científicas de alto impacto pode ser prejudicial à ciência como um todo

Em seu blog no jornal O Estado de São Paulo, Herton Escobar publicou uma matéria muito interessante no final de 2013, a qual fiz questão de reproduzir integralmente nas linhas seguintes. Sob o título de "Ganhador do Nobel adverte: revistas de alto impacto podem fazer mal à ciência", Escobar expõe o ponto de vista do bioquímico Randy Schekman, um dos ganhadores do prêmio Nobel de Medicina de 2013, sobre as publicações que saem nas revistas científicas consideradas de alto impacto como a Nature e a Science. Veja o que diz Escobar:
" O ganhador do Prêmio Nobel adverte: Publicar em revistas de alto impacto pode fazer mal à saúde (da ciência).
Esse é o alerta que poderia vir estampado na contracapa de revistas como Nature, Cell e Science, segundo o bioquímico Randy Schekman, pesquisador do Instituto de Medicina Howard Hughes (HHMI), da Universidade da Califórnia em Berkeley, e um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina de 2013, pela descoberta dos mecanismos essenciais que executam e controlam o transporte de moléculas no interior das células. Em um artigo publicado no início deste mês no jornal britânico The Guardian, Schekman argumenta que as decisões editoriais destas grandes revistas são guiadas também por interesses comerciais, não apenas científicos, e que a cultura de supervalorização dessas publicações como estandartes de qualidade é prejudicial à ciência como um todo.
Um de seus argumentos principais é que essas “revistas de luxo”, como Schekman se refere a elas, “publicam muitos trabalhos importantes (outstanding), mas não só trabalhos importantes; nem são elas as únicas que publicam pesquisas importantes”. Muitas vezes, segundo ele, a escolha do que é publicado ou rejeitado nessas revistas baseia-se numa avaliação de impacto que não reflete necessariamente ou unicamente a qualidade e/ou a importância de um trabalho, mas também a repercussão na mídia e o número de citações que ele poderá trazer para a revista. Em outras palavras, as pesquisas não são avaliadas apenas pelo seu impacto científico, mas também pelo seu potencial impacto midiático e econômico. Pois são revistas comerciais, que cobram caro pelo seu conteúdo e precisam vender assinaturas para sobreviver financeiramente.
Segundo Schekman, é preciso levar em conta que o fator de impacto é uma nota média, baseada no total de citações recebidas por todos todos os trabalhos publicados numa revista ao longo de um determinado período, e que mesmo o fato de um trabalho ser muito citado não significa, automaticamente, que ele seja muito importante. “Um trabalho pode ser muito citado porque é boa ciência, ou porque é chamativo, provocativo ou incorreto”, escreve Schekman. “Os editores das revistas de luxo sabem disso, por isso aceitam trabalhos que vão repercutir porque tratam de assuntos que são ‘sexy’ ou propõem conclusões desafiadoras. Isso influencia a ciência que os cientistas produzem; construindo bolhas de ‘pesquisa fashion’ nas quais os pesquisadores podem fazer propostas ousadas que essas revistas desejam, e desencorajando a realização de outras pesquisas importantes, como a replicação de resultados.”

Open access. Como alternativa a esse modelo, Schekman defende a publicação em revistas de acesso livre na internet (open access journals), sem fins lucrativos. De 2006 a 2011, ele foi editor-chefe da Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), a revista científica da Academia Nacional de Ciências dos EUA — também uma revista de alto impacto, mas não tanto como Nature eScience. Em 2012 ele assumiu o posto de editor-chefe da eLife, uma revista online de acesso livre criada pelo HHMI, a fundação britânica Wellcome Trust e a Sociedade Max Planck, da Alemanha. A proposta da eLife é ser uma revista “para cientistas, editada por cientistas”, livre de interesses comerciais (para mais informações, assista ao vídeo abaixo ou clique aqui: http://www.youtube.com/watch?v=oR5ox0Pzd3s)
Para entender a lógica dos argumentos de Schekman basta pensar na seguinte situação: Se um pesquisador brasileiro A publicar um trabalho na eLife, ele (supostamente) terá sido revisado por alguns dos melhores cientistas da área e terá sido avaliado com base em critérios de qualidade puramente científicos; mas, aos olhos da sua instituição, da Capes e das agências de fomento brasileiras, terá será uma publicação de pouca importância, pois o fator de impacto da eLife é baixo. Por outro lado, um pesquisador brasileiro B que publicar um trabalho qualquer na Nature, Science, Cellou outra revista de alto impacto será automaticamente visto como um grande cientista, não importa a qualidade ou a importância da sua pesquisa em questão (que pode ser maior, menor ou igual à da pesquisa publicada na eLife). Isso significa que o pesquisador B é melhor do que o A? Talvez sim, talvez não. Só mesmo uma análise individual, caso a caso, pode determinar isso com precisão.
A íntegra do artigo de Schekman, em inglês, pode ser lida aqui: http://migre.me/hdxhX. O texto foi reproduzido no dia 20 pelo Jornal da Ciência da SBPC: http://migre.me/hdxv1"

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