A Passagem de Darwin Pelo Brasil

A famosa viagem do naturalista britânico Charles Darwin (1809-1822) a bordo do navio Beagle também incluiu o Brasil em sua rota. Em sua passagem pelo nosso país, Darwin ficou encantado com a exuberância da natureza, mas ficou indignado com a burocracia local, a corrupção e, principalmente, com a escravidão. Em seu diário, o naturalista relatou as suas impressões do Brasil e dos brasileiros. Em uma ocasião, escreveu em suas anotações: "Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que, em pouco tempo, ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados". Imagem: Chegada do Beagle a Salvador (BBC News)


A viagem de circum-navegação que o navio HMS Beagle empreendeu ao redor do mundo, tendo a bordo o notável naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809-1822), também incluiu o Brasil em sua rota. Partindo de Devonport, no distrito de Plymouth, no sul da Inglaterra, em 27 de dezembro de 1831, o Beagle, um navio de pesquisa da Marinha Real Britânica que tinha como missão principal realizar um levantamento cartográfico da costa da América do Sul, visitaria dez países, como Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, além do Brasil.
Comandado pelo capitão FitzRoy, o navio ancorou em Salvador (BA) em 28 de fevereiro de 1832, após passar pelos arquipélagos de São Pedro e São Paulo e por Fernando de Noronha. Segundo matéria publicada por André Bernardo na BBC News Brasil, logo "no primeiro dia de sua estadia no Brasil, Darwin encantou-se com a exuberância da floresta tropical". "Luxuriante" foi um dos adjetivos que usou para descrever a paisagem local.
"O dia passou deliciosamente", escreveu no diário que levou a bordo. "Delícia, no entanto, é um termo vago para exprimir os sentimentos de um naturalista que, pela primeira vez, se viu perambulando por uma floresta brasileira."
Em terra firme, o jovem cientista gostava de embrenhar-se pelas matas úmidas e coletar bichos, plantas e rochas. A cada novo porto onde o Beagle atracava, Darwin enviava suas amostras, desidratadas ou conservadas em álcool, aos cuidados de seu tutor, John Henslow, em Londres. Ao todo, catalogou mais de 5,4 mil peças, entre espécies fósseis e espécimes preservados."
Porém, a estadia de Darwin na Bahia durou apenas 18 dias. A matéria da BBC conta que, numa segunda-feira de Carnaval, Darwin teve a infeliz ideia de passear pela cidade de Salvador onde estava hospedado. "Infeliz porque um dos passatempos dos foliões era arremessar 'bolas de cera cheias de água', apelidadas de 'limões de cheiro', nos incautos transeuntes. De quebra, ainda lambuzavam suas roupas com sacos de farinha. "Difícil manter nossa dignidade", resmungou o naturalista em seu diário.
De Salvador, o Beagle seguiu para o Rio de Janeiro, onde Darwin permaneceu por 93 dias. Na cidade, o naturalista fixou residência em Botafogo, aos pés do Corcovado. Até então a relação do naturalista com o nosso país era vista como positiva. Porém, logo após a sua chegada ao Rio de Janeiro, Darwin tomou conhecimento de uma das mazelas do Brasil: a burocracia. De acordo com o que escreveu em suas anotações, Darwin levou um dia inteiro até conseguir autorização para excursionar pelo interior fluminense. Volta e meio tecia severas críticas à burocracia local.
"Nunca é agradável submeter-se à insolência de homens de escritório, mas aos brasileiros, que são tão desprezíveis mentalmente quanto são miseráveis as suas pessoas, é quase intolerável", reclamou, em 6 de abril de 1832. "Contudo, a perspectiva de florestas selvagens zeladas por lindas aves, macacos e preguiças fará um naturalista lamber o pó da sola dos pés de um brasileiro".
Em uma viagem de 16 dias a cavalo até Conceição de Macabu, Darwin e uma comitiva de seis homens reconheceram que a impressão deixada pelos donos de pousada não foi das melhores. "Alguns demoravam até duas horas para servir a refeição". "A comida estará pronta quando estiver", respondiam os mais atrevidos. Outros, sequer, tinham garfos, facas ou colheres para oferecer. Na Fazenda Campos Novos, em Cabo Frio, os viajantes deram pela falta de uma bolsa com alguns de seus pertences. "Por que não cuidam do que levam?", retrucou o hospedeiro, mal-humorado. "Talvez tenha sido comida pelos cachorros".
Ainda segundo a matéria da BBC, em sua travessia pelo norte fluminense, Darwin deparou-se também com os horrores da escravidão. "Dois episódios lhe marcaram profundamente. Um deles aconteceu na Fazenda Itaocaia, em Maricá, a 60 km do Rio, no dia 8 de abril, quando um grupo de caçadores saiu no encalço de alguns escravos. A certa altura, os foragidos se viram encurralados em um precipício.
Uma escrava, de certa idade, preferiu atirar-se no abismo a ser capturada pelo capitão do mato'. "Praticado por uma matrona romana, esse ato seria interpretado como amor à liberdade", relatou Darwin. "Mas, vindo de uma negra pobre, disseram que tudo não passou de um gesto bruto".
"O outro episódio ocorreu na Fazenda Sossego, em Conceição de Macabu, no dia 18. Um capataz ameaçou separar 30 famílias de escravos e, em seguida, vendê-los separadamente como forma de punição. Darwin ficou tão indignado com a cena que a descreveu como "infame".
"Os avós de Darwin participaram ativamente dos movimentos abolicionistas do século 17. Desembarcar em um país onde ainda vigorava o comércio de escravos foi um choque para ele. Darwin chegou a se desentender com o capitão do Beagle sobre o assunto e, por muito pouco, não voltou mais cedo para a Inglaterra", explica a bióloga Maria Isabel Landim, doutora em Biologia pela USP e organizadora de Charles Darwin - Em um Futuro Não Tão Distante (2009).
"Não bastassem os maus-tratos aos escravos, Darwin também se escandalizou com a corrupção. No dia 3 de julho, chegou a rotular os brasileiros de "ignorantes", "covardes" e "indolentes".
"Até onde posso julgar, possuem apenas uma fração daquelas qualidades que dão dignidade ao homem", queixou-se. "Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que, em pouco tempo, ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados."
"A primeira parte da passagem de Darwin pelo Brasil chegou ao fim em 5 de julho de 1832. Daqui, a expedição seguiu para o Uruguai e, de lá, para a Argentina. Em setembro de 1835, chegou às Ilhas Galápagos, no Oceano Pacífico, o ponto mais famoso da viagem.
Darwin não teria colocado mais os pés no Brasil se, em agosto de 1836, ventos contrários não tivessem obrigado o capitão FitzRoy a atracar novamente no país: de 1 a 6 de agosto em Salvador e de 7 a 12 no Recife. Apesar de agnóstico, Darwin deu "graças a Deus" por estar, finalmente, deixando as costas do Brasil. "Espero nunca mais visitar um país de escravos", escreveu no dia 19 de agosto.
O Beagle retornou à Inglaterra no dia 2 de outubro de 1836. Vinte e três anos depois, em 24 de novembro de 1859, seu tripulante mais ilustre publicaria A Origem das Espécies .
"Na opinião dos especialistas, a passagem de Darwin pelo Brasil foi mais importante para a Teoria da Evolução das Espécies do que podemos imaginar. O próprio Darwin é o primeiro a admitir isso. Logo no primeiro parágrafo da introdução, reconhece a importância da expedição para a elaboração de uma das mais revolucionárias teorias da ciência moderna."
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