Os Caminhos Equivocados do Nosso Ensino de Evolução Biológica



A dificuldade em lecionar evolução nas escolas reside em alguns fatores, tais como seus níveis de abstração, controvérsias e concepções errôneas de alunos e professores sobre o assunto, somados ao desconhecimento da natureza da ciência e à influência de ideias religiosas que se contrapõem ao conhecimento científico sobre evolução. A clássica ilustração da ‘marcha para o progresso’ (Figura A),  extremamente difundida para ilustrar evolução humana, é um conceito errôneo que também contribui para a disseminação da confusão. Enfim, o que vemos é um baixo grau de compreensão das bases da evolução de um modo geral, que é ainda mais acentuado de acordo com certas denominações religiosas.



* Postagem publicada em 21/10/2017 no site Evolucionismo. org


Nos Estados Unidos, o ensino da evolução biológica já vem sofrendo resistência por parte de organizações criacionistas, principalmente nas localidades onde se verificam altas proporções de protestantes evangélicos. Essa situação serviu tanto para gerar debates históricos como para proporcionar o desenvolvimento de um grande número de pesquisas sobre o ensino de evolução nas escolas daquele país. Aqui no Brasil, apesar do nosso país não possuir fortes tradições criacionistas, nos últimos anos foram sugeridas propostas educacionais de caráter não-científico que, se adotadas, podem comprometer de forma irremediável a qualidade do ensino de ciências e biologia (TIDON; VIEIRA, 2009)
No âmbito do sistema educacional brasileiro, a evolução biológica é um dos temas integradores dos currículos das disciplinas escolares de Ciências e Biologia, o que pode ser verificado nos principais documentos oficiais do governo que tratam da educação básica. As Orientações Curriculares para o Ensino Médio – OCEM (BRASIL, 2006) e os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1999), propõem que os conteúdos de Biologia sejam abordados sob o enfoque ecológico-evolutivo. As OCEM salientam ainda que o tema origem e evolução da vida sejam tratados ao longo de todos os conteúdos de Biologia, não representando uma diluição do tema, mas sim uma articulação com outras áreas (BRASIL, 2006).
Como explicam Souza e Dorvillé (2014), “Apesar da importância da evolução biológica para a constituição da Biologia enquanto ciência, seu ensino na educação básica é permeado por desafios.”

“…diversos estudos apontam que o ensino de evolução nas escolas ainda não é satisfatório, sendo um dos temas mais complexos e polêmicos trabalhados em sala de aula (CASTRO & ROSA, 2007; PEREIRA & EL-HANI, 2011; SILVA, ILVA & TEIXEIRA, 2011).”

E de onde vem essa dificuldade em ensinar evolução nas escolas? Segundo Silva, Silva e Teixeira (2011), a dificuldade em lecionar tal conteúdo reside em alguns fatores, tais como seus níveis de abstração, controvérsias e concepções errôneas de alunos e professores sobre o assunto, somados ao desconhecimento da natureza da ciência e à influência de ideias religiosas que se contrapõem ao conhecimento científico sobre evolução. Castro & Leyser (2007) destacam ainda os desafios de ordem intelectual, formação profissional e crenças pessoais que professores de Biologia enfrentam ao lecionarem tal conteúdo e afirmam que muitas vezes renunciam a essas aulas a fim de evitar possíveis conflitos. Os autores também ressaltam o fato de que a formação inicial dos professores não costuma incluir a evolução como eixo articulador dos diferentes campos do conhecimento biológico, muitas vezes limitando-a a uma única disciplina. Portanto, o contexto de formação de professores também deve ser levado em conta ao analisar a prática docente no caso da temática em questão.
Pensando nisso, Rosana Tidon, professora associada do Laboratório de Biologia Evolutiva na Universidade de Brasília (UnB) fez um levantamento das dificuldades dos professores que trabalham conteúdos de evolução biológica no ensino médio em Brasília (DF) em 1997. Os resultados dessa pesquisa foram publicados parcialmente no artigo “Teaching evolutionary biology” (LEWONTIN; TIDON, 2000) em parceria com Richard C. Lewontin. Segundo Tidon e Vieira (2009),

“as colocações dos professores, acessadas mediante questionários, apontaram problemas com o material didático, currículo escolar, e falta de preparo dos alunos para compreensão desse assunto. Quando indagados sobre padrões e processos evolutivos, quase a metade dos professores entrevistados demonstrou concepções lamarckistas, ao afirmar que a evolução biológica é direcional, progressista, e que ocorre em indivíduos (ao invés de populações). Essas concepções equivocadas, que simplificam a complexidade da natureza, são muito difundidas em várias partes do mundo, provavelmente porque elas parecem lógicas e fáceis de compreender.”

Carlos Orsi na sua matéria “O ensino da teoria da evolução no Brasil ainda está na Idade da Pedra”, publicada na Gazeta do Povo (ORSI, 2017) assinala que a evolução é tão mal compreendida nas escolas brasileiras que nem os professores sabem explicá-la de forma adequada aos alunos. Em comparação com outros países, a situação é deprimente, diz o autor. Em seu texto, Carlos Orsi cita o geneticista Rubens Pazza, pesquisador e professor da Universidade Federal de Viçosa, que já conduziu importantes pesquisas sobre a percepção pública da teoria da evolução, principalmente entre estudantes. Segundo Pazza (citado por ORSI, 2017):

“Algumas questões são particularmente complicadas para a compreensão dos jovens. Uma das mais complicadas é o papel da aleatoriedade na evolução. É comum que os jovens confundam a seleção natural com um processo aleatório, quando um dos principais papéis da aleatoriedade é no surgimento das variações. A seleção natural é justamente o oposto de um processo aleatório.”

“Outro ponto importante é a confusão entre evolução e progresso, e o ser humano como o ápice do processo. A ilustração da ‘marcha para o progresso’, é extremamente difundida para ilustrar evolução humana, por exemplo, mas é um conceito errôneo, que contribui para a disseminação da confusão. Enfim, o que vemos é um baixo grau de compreensão das bases da evolução de um modo geral, que é ainda mais acentuado de acordo com certas denominações religiosas”.

Outros fatores que dificultam o ensino de evolução estão relacionados ao contexto escolar. A organização escolar, sob alguns aspectos, é apresentada com limitações de tempo, planejamento padronizado, terceirizado e conteudista, entre outros, que influenciam o trabalho do professor em aula (CICCILINI, 1997). Portanto, de acordo com Futuyma (2002), apesar da centralidade da biologia evolutiva em relação às demais ciências da vida, ela ainda não representa, nos currículos educacionais, uma prioridade à altura de sua relevância intelectual e de seu potencial para contribuir para com as necessidades da sociedade.
Eli Vieira e Rosana Tidon em um artigo originalmente publicado na revista eletrônica de jornalismo científico Com Ciência da SBPC, analisam as dificuldades e apontam propostas para superar as dificuldades observadas no ensino de evolução biológica nas escolas brasileiras. Segundo eles, as propostas para sanar os problemas apontados, já em andamento no Brasil em diferentes estágios de maturidade, podem ser organizadas em três abordagens complementares: 1) a formação contínua de professores, através do apoio a cursos e oficinas; 2) revisão e reforço dos currículos de ciências e biologia, em particular, com o objetivo de melhorar, de uma forma prática, o programa curricular do Ministério da Educação e 3) a continuidade do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), pois conforme observado, esse programa tem proporcionado uma melhoria significativa na qualidade dos livros adotados pelas escolas públicas, aprimorando a correção conceitual e metodológica em várias disciplinas, inclusive a evolução biológica (VIEIRA; TIDON, 2009).
Com o intuito de avaliar a compreensão de conteúdos de evolução, Anderson e colaboradores publicaram no Journal of Research in Science Teaching (2002), o “Inventário conceitual da seleção natural” uma lista com 20 testes de múltipla escolha, que contrasta concepções alternativas. No entendimento de Tidon e Vieira (2009),uma atividade como essa, aplicada no primeiro dia do curso de formação de professores, poderia ser o ponto de partida para reconhecer os equívocos dos professores, ilustrando ao mesmo tempo uma técnica que poderia ser usada mais tarde na sua própria sala de aula. Segundo os autores, essa estratégia está em total conformidade com as recomendações do MEC (MEC/SEF, 1997), onde se lê:

“Contrapor e avaliar diferentes explicações favorece o desenvolvimento de postura reflexiva, crítica, questionadora e investigativa, de não-aceitação a priori de ideias e informações. Possibilita a percepção dos limites de cada modelo explicativo, inclusive dos modelos científicos, colaborando para a construção da autonomia de pensamento e ação”.

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REFERÊNCIAS:

ANDERSON, D. L., FISHER, K. M., NORMAN, G. J. Development and evaluation of the conceptual inventory of natural science. J. Res. Sci. Teach. 2002; 39:952–978.

BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais (Ensino Médio) – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília, 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf> Acessado em 06 set. 2017.

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Ministério da Educação. Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Linguagens, códigos e suas tecnologias Brasília, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_02_internet.pdf>; Acessado em 06 set. 2017.

CASTRO, E. C. V.; LEYSER, V. A ética no ensino de evolução. In: VI ENPEC. 2007, Florianópolis. Anais eletrônicos. Rio de Janeiro: ABRAPEC, 2007. Disponível em: . Acesso em: 06 set.. 2017.

CICILLINI, G. A. A produção do conhecimento biológico no contexto da cultura escolar do ensino médio: A teoria da evolução como exemplo. 1997. 298fs. Tese de Doutorado em Metodologia de Ensino – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.

FUTUYMA, D. J. Evolução, Ciência e Sociedade. São Paulo: Editora de livros da Sociedade Brasileira de Genética, 2002.

SILVA, M. G. B.; SILVA, R. M. L.; TEIXEIRA, P. M. M. Um estudo sobre a evolução biológica num curso de formação de professores de Biologia. In: VIII ENPEC. 2011, Campinas. Anais eletrônicos. Rio de Janeiro: ABRAPEC, 2011. Disponível em: /p> http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R1457-1.pdf>;. Acesso em: 06 set. 2017

SOUSA, E. C. F e DORVILLÉ, L. F. M. Ensino de evolução biológica: concepções de professores protestantes de ciências e biologia. Revista da SBenBio, n.7, outubro de 2014.

TIDON, R. e LEWONTIN, R. C. Teaching evolutionary biology. Genetics and Molecular Biology, v.27, n.1, p.124-31, 2004.

TIDON, R. e VIEIRA, E. O ensino da Evolução Biológica: um desafio para o século XI Evolucionismo ComCiência: revista eletrônica de jornalismo científico n.107, 2009. Disponível em < http:www.conciência.com.br>. Acesso em 06 de setembro de 2017.

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