A Ciência Que Cabe Dentro De Um Abraço

Por conta do isolamento social adotado como medida para conter a pandemia de Covid-19, as pessoas não estão podendo se abraçar ou trocar afetos presencialmente. Essa necessidade típica do ser humano é algo evolutivo. Um abraço afetuoso libera ocitocina, um neurotransmissor que age no cérebro influenciando as interações sociais e a reprodução. Somos seres sociais e o isolamento necessário diante da pandemia nos faz perceber mais fortemente a falta que faz o carinho em nossas vidas. Um abraço apertado é capaz de alterar o padrão de metilação (expressão) de nossos genes.  

"O melhor lugar do mundo/É dentro de um abraço/Pro solitário ou pro carente/Dentro de um abraço é sempre quente/Tudo que a gente sofre/Num abraço se dissolve/Tudo que se espera ou sonha/Num abraço a gente encontra", diz muito apropriadamente a letra da canção "Abraço" da banda mineira Jota Quest.
Talvez a saudade daquele abraço forte seja uma das coisas mais difíceis de se lidar nesses tempos de quarentena. Ainda mais para um povo como o nosso, acostumado ao toque, aos beijos, ao carinho. A necessidade de trocar afetos é típica do ser humano, é algo evolutivo. Desde cedo, ainda no berço, aprendemos a importância do carinho com nossas mães, na amamentação. E isso também tem explicação científica, claro. 
Alguns experimentos (ás vezes um tanto controversos) realizados ao longo do tempo têm comprovado o valor do acolhimento, do aconchego físico, do amor transmitido via toque no desenvolvimento do ser humano. Entre os anos 1950 e 60 - uma época em que se considerava que abraçar ou beijar crianças poderia deixá-las carentes e exigentes -o psicólogo estadunidense Harry Harlow (1905-1981) provou para um sociedade pós-guerra que não valorizava demonstrações de afeto, que o amor não só é desejado como vital para o desenvolvimento da espécie. "O pesquisador separou filhotes de macacos Rhesus bebês de suas mães e os colocou na presença de duas estruturas bizarras de arame. Uma delas era apenas a armação. A outra foi coberta com um pano felpudo e ganhou uma carinha de macaco. Harlow observou que os macaquinhos claramente preferiam ficar junto com a estrutura macia, mesmo quando a outra era equipada com uma espécie de mamadeira que lhes oferecia leite. Uma foto deste experimento mostra um macaquinho “no colo” da estrutura peludinha, se esticando para pegar o leite. Por outro lado, quando só a estrutura de arame estava por perto, eles se sentiam inseguros, paralisados e não conseguiam explorar o ambiente."
Segundo o neurocientista Stevens Rehen, professor da UFRJ e pesquisador do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) "um carinho modifica a expressão de nossos genes, a produção de oxitocina, o julgamento, o impacto sobre o desenvolvimento humano e sua falta pode ter consequências duradouras."
"A oxitocina ( ou ocitocina) é um hormônio liberado num abraço afetuoso, no momento da amamentação, no sexo. Diversas pesquisas apontam que ela age como um neurotransmissor no cérebro, influenciando as interações sociais e até a reprodução. Tem um papel importante para formar laços entre as pessoas, propiciando comportamentos de empatia, generosidade, confiança. No nível individual, é importante inclusive como antídoto para sentimentos mais depressivos e ansiosos. A oxitocina impacta mecanismos interativos, relacionados a contato físico para o resto da vida. Ou seja, o contato físico muda o cérebro.
“Podemos dizer que precisamos de contato físico sempre. Isso propicia sensações e experiências que
vão aumentando o repertório de conhecimentos do cérebro sobre o eu e o mundo. Isso ajuda a construção do nosso modelo mental do mundo, fundamental para que o cérebro possa fazer boas
previsões, explicando sinais de entradas sensoriais. Isso nos garante reforço afetivo, social e motivação”, diz a psiquiatra Helena Brentani, cientista responsável pelo programa do espectro autista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Em tempos de pandemia a falta desse contato teoricamente pode trazer alterações das respostas emotivas e da regulação do eixo hipotálamo-hipófise e portanto da percepção do estresse. Estudos mostram que animais e crianças com falta de contato podem ter mais ansiedade e depressão ao longo da vida”, opina a pesquisadora.
“Somos seres sociais e o isolamento necessário diante da pandemia nos faz perceber mais fortemente a falta que faz o carinho em nossas vidas. Um abraço apertado é capaz de alterar o padrão de metilação (expressão) de nossos genes. A falta dele certamente vai ter implicações para a nossa sociedade”, complementa Stevens Rehen.

Esta postagem foi elaborada com base no artigo "Por que um abraço faz tanta falta
durante a quarentena?" publicado em 04/05/2020 por Giovana Girardi no jornal O Estado de S. Paulo
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