Quando a Ciência Se Apropria da Literatura Infantil

A Hipótese da Rainha Vermelha e a da Estratégia de Fuga do Gato Risonho, ambos inspirados na obra do escritor britânico Lewis Carrol são dois exemplos de como às vezes a ciência se apropria de elementos extraídos da literatura infantil para poder explicar conceitos mais intricados aos seus pares. A metáfora da corrida da Rainha Vermelha foi inspirada no livro "Alice através do espelho" e explica o mecanismo de coevolução entre os parasitos e os seus hospedeiros.  Já a figura do Gato de Cheshire aparece no livro "Alice no País das Maravilhas" e serve para denominar as estratégias de evasão do sistema imunológico dos hospedeiros a determinados parasitos. Na física, esse gato também serve como referência para explicar certos fenômenos de polarização observados na mecânica quântica

Comumente a ideia que se tem de ciência é de algo rígido, hermético, sério e rebuscado. Porém, houve momentos que a ciência precisou se apropriar de determinados elementos da literatura infantil para poder explicar melhor os seus conceitos mais intricados até mesmo para os seus pares. É o que aconteceu, por exemplo, com dois conceitos clássicos da evolução para explicar certas interações entre os parasitos e os hospedeiros. Estamos falando da Hipótese da Rainha Vermelha e a da Estratégia de Fuga do Gato Risonho, ambos inspirados na obra do escritor britânico Lewis Carrol.
O termo Hipótese da Rainha vermelha é oriundo da corrida da Rainha Vermelha no livro de Lewis Carroll chamado Alice através do espelho. Na história, a personagem Rainha Vermelha diz para Alice que naquele país "é preciso correr o máximo possível, para permanecermos no mesmo lugar.",("It takes all the running you can do, to keep in the same place.") Em 1973 Leigh Van Valen propôs esta metáfora para explicar situações na natureza onde duas espécies em competição evoluem de maneira que a competição se mantém estável, ou seja, coevoluem. O princípio da Rainha Vermelha pode ser enunciado da seguinte maneira: "Para um sistema evolutivo, é preciso haver um desenvolvimento contínuo para manter a aptidão relativamente aos sistemas com o qual estão a coevoluir."
"Essa hipótese pretende explicar dois fenômenos diferentes: as vantagens da reprodução sexuada no nível do indivíduo e a constante corrida armamentista evolutiva entre espécies competidoras. Do ponto de vista microevolutivo, cada indivíduo seria um experimento evolutivo, resultante da mistura entre os genes do pai e da mãe. Com essa experimentação constante, a reprodução sexuada pode permitir a uma espécie evoluir rapidamente apenas para manter seu nicho ecológico já ocupado no ecossistema. Num panorama macroevolutivo, a observação de que a probabilidade de grupos de espécies (geralmente famílias) é constante dentro de cada grupo e aleatória entre grupos deu suporte à hipótese no nível microevolutivo.
A Hipótese da Rainha Vermelha como formulada por Van Valen, embora difícil de ser testada, especialmente no nível macroevolutivo, proporcionou fundamentação conceitual às discussões sobre corrida armamentista evolutiva.
Esta "corrida armamentista" pode ser entendida da seguinte forma: já que cada melhoria em uma espécie resulta em uma vantagem seletiva para ela, a variação irá resultar no aumento do valor adaptativo na espécie. Entretanto, já que em geral, diferentes espécies estão co-evoluindo, melhorias em uma espécie representam vantagem competitiva em relação às demais. Isso significa que o aumento do valor adaptativo em um sistema evolutivo, deve promover a diminuição do valor adaptativo em outro. A única forma de uma espécie sujeita a competição por recursos manter sua aptidão em relação a espécies competidoras é pelo aumento da aptidão da espécie."
"O escritor Matt Ridley popularizou o termo "Rainha Vermelha" associado a seleção sexual em seu livro "The Red Queen". No livro, Riddley aborda o debate da biologia teórica acerca do benefício adaptativo da reprodução sexuada nas espécies nas quais está presente. A relação entre a Rainha Vermelha e este debate vem do fato de que a teoria aceita tradicionalmente apenas vantagem adaptativa ao nível de espécie ou grupo, não ao nível do gene. Por outro lado, uma teoria como a da Rainha Vermelha, que traz a ideia de uma corrida armamentista evolutiva entre espécies que estão co-evoluindo, pode explicar a importância da reprodução sexuada ao nível de gene. Neste caso, o papel do sexo seria preservar genes que são desvantajosos no presente, mas que podem ser vantajosos junto a uma futura população do sistema de espécies co-evoluído."
Muitos parasitologistas têm mencionado um outro personagem criado por Lewis Carrol para explicar a estratégia que determinados hospedeiros utilizam para fugir do ataque de organismos infecciosos. Essa estratégia é conhecida como estratégia de fuga do Gato Risonho ( The ‘Cheshire Cat’ escape strategy). O Gato de Cheshire é um gato fictício famoso por outro livro de Lewis Carrol chamado Alice no País das Maravilhas. Na história, o Gato de Cheshire é um personagem  caracterizada principalmente pelo seu sorriso pronunciado. Uma da suas características mais distintas é que, de tempos em tempos, o seu corpo desaparece, com a última parte visível sendo o seu icónico sorriso. Assim como o Gato de Cheshire, muitos hospedeiros conseguem escapar de seus antagonistas tornando-se indetectáveis para eles. Além da vantagem de evitar o custo associado à infecção, ao escapar de parasitas coevolutivos eles podem ter benefícios adicionais, como redução do investimento em defesa imunológica.
A física também se apropriou da imagem do Gato de Cheshire para explicar um fenômeno da mecânica quântica. Em 2013, baseados no conceito de medição fraca, Aharonov e seus colaboradores propuseram um experimento em que, segundo sua interpretação dos resultados previstos, um fóton e sua polarização seriam separados espacialmente. os autores chamaram esse fenômeno de gato de Cheshire quântico em referência ao personagem de Carrol cujo sorriso pode existir sem o próprio animal.
Para saber mais, clique nos links acima

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Mariposa da Morte

Ilustrações da Mitose

Sistemática Filogenética