Ensino Público: É Preciso Aumentar o Nível


Quando o assunto é educação costumamos enveredar pelo arriscado caminho do discurso vazio e recorrente de que é preciso melhorar a qualidade do ensino, propor novas estratégias educacionais, redirecionar o binômio ensino/aprendizagem, etc, redundando, por fim, num verdadeiro blá-blá-blá pedagógico, típico dos especialistas no assunto. Tudo isso, porém, nos leva a pensar que a educação brasileira para se desenvolver não necessita sobremaneira das avaliações categóricas dos teóricos do ensino e sim de mudanças profundas no pilar principal da estrutura educacional: o corpo docente. Precisamos urgentemente aumentar o nível de qualificação dos nossos profissionais de ensino, se realmente desejamos uma transformação verdadeira no quadro educacional brasileiro. A reportagem que vamos ler em seguida é uma análise bastante realista do cenário educacional do nosso país e serve de base para se compreender as engrenagens do sistema que move atualmente o ensino nas esferas municipal, estadual e federal. Mais do que uma simples pesquisa, o estudo a seguir reacende o discurso da qualidade, fomentando o debate pedagógico com observações relevantes, as quais permitem, pelo menos, aumentar o nível dos discursos, tornando-os menos utópicos.
Martin Carnoy, 71 anos, doutor em economia pela Universidade de Chicago e professor da Universidade de Stanford (E.U.A) concedeu uma entrevista à revista Veja (30/09/09) onde comentou alguns pontos de seu estudo sobre as razões para o mau ensino praticado nas escolas públicas brasileiras. Aí, vocês vão se perguntar logo de cara: o que um pesquisador americano entende sobre a educação no Brasil? De acordo com a matéria da revista, o Prof. Carnoy já esteve no Brasil por diversas vezes, assistiu a aulas em 10 escolas públicas sistematicamente - e chegou até a filmá-las- conversou com professores, diretores e governantes, além de comandar um centro voltado para pesquisa sobre educação nos Estados Unidos. Enfim, o seu estudo, iniciado em 2008, teve por objetivo traçar um apurado cenário da educação no Brasil. Vejamos alguns comentários:

1- Segundo o estudo realizado, as escolas brasileiras (públicas e particulares) não oferecem grandes desafios intelectuais aos estudantes e há uma predominância do improviso por parte dos professores. Ao fazer medições sobre como o tempo de aula é administrado por parte dos educadores, verificou-se que minutos preciosos são gastos com indisciplina, cópias das lições passadas no quadro de giz e com uma quantidade imensa de trabalhos em grupo. Constatou-se também que o professor passa a maior parte do tempo escrevendo na lousa, de costas para a turma, em vez de estar posicionado de frente para a classe, explanando sobre o conteúdo da aula e/ou provocando intelectualmente os alunos.

2- Os professores devem ser treinados para educar e não para difundir teorias pedagógicas genéricas. Um bom professor de matemática ou de línguas é aquele que domina o conteúdo de sua matéria e consegue passá-lo de maneira atraente para os seus alunos. No cenário brasileiro existe uma difusão de um valor diferente: o de que todo professor deve ser um bom teórico. Eles acabam se tornando defensores de teorias sem saber sequer se funcionam na vida real ou simplificam demais linhas de pensamento de natureza complexa. Há um excesso de ideologia na educação brasileira, diz o estudo. Até o construtivismo que hoje é aplicado em nossas escolas está muito distante do conceito original do psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980).

3- No Brasil, a situação da educação se agrava a cada ano porque, acima de tudo, falta o básico: bons professores. Ou seja, um profissional qualificado, capaz de conferir eficácia ao trabalho em equipe ou a qualquer outra atividade que envolva o intelecto. O sistema atual até conta com bons professores, o problema é que estes profissionais encontram-se desmotivados ou em idade de se aposentar, quando conseguem. A chave para um bom ensino é atrair para a carreira de professor os melhores estudantes, como já se faz com sucesso em outros países, como Taiwan. Evidentemente, para se despertar o interesse dos mais brilhantes para o magistério é preciso, sobretudo, dar-lhes uma perspectiva de carreira e o reconhecimento pelo trabalho que o distinguem. Aqui, como todos sabem, a carreira de professor além de não possuir remuneração atraente, não oferece um bom horizonte profissional.

4- Um outro aspecto apontado no estudo é a falta de padronização no ensino brasileiro. Salvo raras exceções, no Brasil ninguém sabe o que os professores estão ensinando. Hoje, os professores brasileiros estão, basicamente, livres para escolher o que vão ensinar do currículo. Segundo Carnoy, as escolas públicas brasileiras não possuem mecanismos eficazes para cobrar e incentivar a produtividade. Sim, tem que haver produtividade na atividade educacional, senão ela não compensa. Não se ensina por ensinar. Uma boa educação se mede a partir de seus resultados. Como cobrar resultados se não se sabe nem o que se pretende com a educação?

5- A experiência indica que, num cenário educacional como o nosso, até mesmo os ótimos alunos tendem a se nivelar por baixo. Com um resultado superior à média eles já se dão por satisfeitos, assim como os seus pais e escolas. Os exames internacionais da OCDE (organização que reúne os países mais ricos) mostram isso com clareza. Os alunos brasileiros que aparecem como os 10 melhores são, afinal, menos preparados do que alguns dos piores alunos da Finlândia. Os finlandeses, por sua vez, definem suas metas com base num altíssimo padrão de excelência acadêmica. Aqui no Brasil não há padrão no ensino nem muito menos excelência acadêmica. Já que o Brasil resolveu colocar a educação entre as suas prioridades (mesmo que isso tenha ocorrido com tanto atraso em relação aos países mais desenvolvidos), seria importante começar a se nivelar por cima, diz o estudo.


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