Príons "do Bem"


O príon celular é uma proteína solúvel com 209 aminoácidos e basicamente compostas por estruturas em alfa-hélice. Os príons celulares pode ser um alvo terapêutico no futuro contra as doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer, por exemplo


Foi no final da década de 80 que os príons ganharam as manchetes e só se falava na "doença da vaca louca", a encefalopatia espongiforme bovina. A crise explodiu na Grã-Bretanha, onde milhares de cabeças de gado foram contaminadas e mais de 4 milhões de reses foram sacrificadas na tentativa de erradicar a doença. Pessoas que se alimentaram com carne de animais contaminados desenvolveram uma doença fatal , chamada variante da doença de Creutzfedt-Jakov, que matou mais de 150 pessoas só no Reino Unido. A epidemia atingiu vários países, disseminou pânico e abalou o mercado mundial de carne. Pesquisas mostraram que o agente infeccioso, chamado príon (um acrônimo das palavras Proteinaceous e Infection), tinha contaminado o gado através de rações que continham restos de carnes -especialmente cérebro - e ossos de outros animais contaminados. Mais de 450 mil animais infectados entraram na cadeia alimentar humana antes que medidas rígidas de controle fossem adotadas.

Os efeitos em seres humanos eram apavorantes, com sintomas que iam da demência a perda de memória e alucinações, com morte provocada pela destruição do tecido cerebral. Mais assustador ainda foi a revelação de que esses príons eram resistentes a agentes físicos e químicos e físicos - como os usados na esterilização de instrumentos cirúrgicos, por exemplo - e até ação de proteases, as enzimas especializadas em quebrar e destruir proteínas. Pesquisadores debruçados sobre o problema alertaram para outras doenças igualmente devastadoras causadas por príons, todas marcadas pela ação destruidora dessas partículas sobre o cérebro.
Quando a situação foi controlada e o pânico passou, cientistas se perguntaram se existiria uma versão "normal" dessa proteína no corpo e que funções poderia ter. Se a versão infercciosa tem efeito tão devastador sobre homens e animais, certamente a versão normal - o chamado príon celular - deve ser importantíssima para o organismo.
Os chamado príons celulares ou proteínas príon - que não causam doenças - são encontrados em todos os tecidos do corpo e há várias teorias sobre a sua função. O príon fica ancorado na superfície da célula como se fosse uma plataforma na qual vão se ligando outras proteínas. Há pesquisas indicando que eles podem ser fundamentais em processos tão distintos quanto à fixação da memória  de longo prazo, a capacidade de renovação das células-tronco, diferenciação de células mortas - tarefas dos macrófagos, células do sistema de defesa. O príon celular é uma proteína solúvel com 209 aminoácidos e basicamente compostas por estruturas em alfa-hélice. O príon infeccioso, o que causa a doença, tem uma alteração nessa estrutura, em que folhas-beta substituem essas alfas-hélices. Nessa nova conformação, o príon não é mais solúvel e se torna infeccioso, induzindo a mesma mudança nos outros príons celulares - sem que isso envolva alterações de DNA e RNA.  Esses príons infecciosos formam agregados, as chamadas placas amilóides, conforme explica a pesquisadora Vilma Regina Martins , do Hospital A.C. Camargo e do Instituto Ludwig. Placas amilóides semelhantes, constituídas por outras proteínas alteradas, por exemplo, são características de doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer, por exemplo.
Uma das hipóteses com que se trabalha seriam uma forma de a célula remover do sistema elementos tóxicos, como proteínas alteradas e fragmentos dessas proteínas. Quando esses fragmentos se ligam à proteína príon, por exemplo, ocorre a morte do neurônio. De acordo com a pesquisadora, os príons celulares pode ser um alvo terapêutico no futuro: impedindo sua ligação com aqueles fragmentos protéicos, se poderia evitar a morte de neurônios que caracterizam o mal de Alzheimer.
Neurônios são células altamente especializadas, que não se reproduzem a torto e a direito e não podem ser repostas, por isso faz sentido a natureza ter desenvolvido um processo para protegê-los ao máximo. Vilma lembra ainda que os príons são proteínas altamente conservadas ao longo da evolução, outro sinal de sua importância para vários organismos.

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