As Pequeninas Células Cinzentas

Estudos com neuroimagens revelam como o funcionamento cerebral varia de uma pessoa para outra. Na foto: detetive belga Hercule Poirot, personagem criado por Agatha Christie (1890-1976), o qual se gabava de possuir "células cinzentas privilegiadas"referindo-se aos seus neurônios

Hercule Poirot é um célebre detetive criado por Agatha Christie. Com suas pequeninas células cinzentas, o detetive belga Hercule Poirot consegue resolver os crimes mais complexos. Apesar de pedante, meticuloso e perfeccionista, este é um personagem extremamente apreciado e, por incrível que pareça, simpático. Ao contrário de outros detetives, Poirot diz que pode resolver um crime estando apenas sentado na sua poltrona. Não é um detetive de ação, mas meramente dedutivo. Para ele, a a mente humana não tem nenhuma originalidade, pois quando um criminoso comete um crime, o seu método psicológico é sempre o mesmo.
o há mais dúvida de que o cérebro representa a base material para a cognição, sendo, portanto, logicamente concebível buscar na sua estrutura e no seu funcionamento a natureza da inteligência. Os primeiros neurocientistas, carentes de técnicas sofisticadas, empregaram medidas globais como o peso e o volume do encéfalo e suas grandes regiões. Depois, com as modernas técnicas de neuroimagem, tornou-se possível avaliar regiões mais restritas e até mesmo microrregiões que podiam chegar a poucos milímetros cúbicos.
Pesquisadores norte-americanos, utilizando técnicas de ressonância magnética conseguiram estabelecer correlações positivas entre o volume total da substância cinzenta (onde se encontram os neurônios e as sinapses) e da substância branca (onde se encontram as fibras que intercomunicam as diferentes regiões). Ainda mais especificamente, avaliaram a espessura do córtex cerebral em todas as suas microrregiões, bem como o seu grau de convolução (o conjunto das dobraduras da superfície), e mesmo a espessura do principal canal de fibras que interliga os hemisférios cerebrais. Será que a explicação para o fato de uma pessoa ser infinitamente mais inteligente do que uma outra está na estrutura e no funcionamento dos neurônios ou tem mais elementos envolvidos nesse processo?
A estrutura cerebral e a eficiência metabólica podem ser a base das diferenças individuais na inteligência; pesquisas com imagem vêm apontando quais regiões desempenham papeis essenciais, por exemplo na compreensão de situações e na resolução de problemas. Pesquisadores sabem hoje que cérebros inteligentes operam de várias formas. As mulheres e os homens com o mesmo QI demonstram arquiteturas cerebrais básicas diversas e usam áreas variadas para chegar à resolução idêntica dos mesmos problemas. Estudos recentes indicam que o padrão individual da massa cinzenta ou da branca pode estar na base de nossos pontos fortes e fracos de cognição específica.
Todos conhecemos pessoas que não são tão inteligentes quanto nós - e também sabemos de alguém que nos supera. E temos informações de que alguns se saem melhor ou pior em determinadas áreas: têm memória invejável, são mais hábeis para se comunicar ou fazem cálculos matemáticos com grande agilidade. Presume-se que essas variações de ap­tidões ou talentos surjam de diferenças entre os cérebros. Muitos estudos fizeram conexão entre certas tarefas muito específicas com a atividade em determinadas regiões neurológicas. 
Entretanto, a explicação sobre como o cérebro, como um todo, integra as atividades entre as diversas áreas ainda não foi dada. Neurocientistas ainda se perguntam qual seria a aparência de um cérebro ágil, habilidoso e inteligente.
Pela primeira vez, pesquisadores da inteligência começam a agregar uma quantidade enorme (e inédita) de conhecimentos sobre o funcionamento neural. Estudos com imagens vêm desvendando indicações de como a estrutura e as funções cerebrais dão origem a diferenças individuais na in­teligência. Até o momento, os resultados confirmam uma visão que muitos especialistas têm há décadas: nem todos operamos da mesma forma. Pessoas com quocientes intelectuais (QIs) iguais podem resolver um problema com a mesma velocidade e exatidão, usando combinação diferente de áreas do cérebro.
Pessoas com características variáveis, como gênero e idade, revelam diferenças nas avaliações com neuroimagens - mesmo apresentando nível similar de inteligência. Porém, estudos recentes demonstram que as diferen­ças individuais na estrutura e funções cerebrais relacionadas à inteligência são essenciais - e os últimos estudos expõem apenas a ponta do iceberg. Pesquisas indicam uma nova definição de inteligência com base no tamanho de certas regiões cerebrais e na efici­ência do fluxo de informações entre elas. Especialistas acreditam que, em breve, os exames de imagens do cére­bro poderão revelar a aptidão indivi­dual para certas áreas acadêmicas ou carreiras profissionais. Quanto mais aprendermos sobre a inteligência, melhor entenderemos como ajudar os indivíduos a aprimorar seu potencial e capacidade intelectual.
Durante um século, as pesquisas sobre a inteligência fundamenta­ram-se em testes feitos com lápis e papel para mensurar, por exemplo, o QI. Psicólogos usaram métodos estatísticos para caracterizar com­ ponentes da inteligência e a forma como eles se alteram durante a vida. Determinaram que praticamente to­dos os testes de aptidão intelectual, independentemente de seu conteúdo, estão relacionados, e as pessoas que marcam mais pontos em um teste ten­dem a repetir o resultado em outros. Esse fato sugere que todos os testes compartilham um ponto em comum, que foi apelidado de g, um fator geral para a inteligência. O fator g é um poderoso indicador de sucesso e tem sido objeto de vários estudos.
Além desse fator, os psicólogos estabeleceram outros componentes primários da inteligência, incluindo os fatores espaciais, numéricos, verbais e aptidões de raciocínio. Os mecanismos do cérebro e as estru­turas fundamentais do g e de outros fatores, porém, não puderam ser inferidos por meio de resultados de testes de pessoas com dano cerebral e, portanto, permaneceram ocultos.
O uso em neurociência de tecno­logia aplicada às pesquisas, há cerca de 20 anos, ofereceu métodos como neuroimagern, que permitem uma abordagem diferente da definição de inteligência, baseada nas proprieda­des físicas do cérebro. Em 1988, pesquisadores da Universidade da Califórnia em Irvine conduziram um dos primeiros estudos para o uso des­sas técnicas. Por meio da tomografia por emissão de pósitrons (PET), que produz imagens do metabolismo no cérebro e detectam a quantidade de glicose radioativa de baixo nível usada pelos neurônios enquanto são ativados, estabeleceram a origem do uso da energia cerebral enquanto uma pequena amostra de voluntários resolvia problemas de raciocínio abs­trato não verbal do Teste de Matrizes Progressivas de Raven.
A variedade de habilidades humanas indica que a inteligênciao é uma só, e que as pessoas podem ser excelentes em um aspecto eoo boas em outros. De fato, o psicólogo norte-americano Howard Gardner, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, considera que a inteligência é mesmo múltipla e proe que seus tipos principais são: inteligência espacial, linguística, lógica-matemática, corporal, musical, interpessoal, intrapessoal, naturalística e existencial. Há evidências de que essas “especialidades” cognitivas sejam verdadeiras, mas não há garantias de que sejam as únicas. A lista pode aumentar.

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