Novidades Científicas do Instituto Butantan

Pesquisadores do Instituto Butantan divulgaram na mesma semana, duas descobertas científicas importantes para a medicina envolvendo pesquisas com venenos de serpentes

Esta semana, duas notícias serviram para mostrar que os pesquisadores do Instituto Butantan são realmente "cobras" na pesquisa científica. A primeira delas foi a realização com sucesso da  nanoencapsulação de venenos de serpentes em lipossomas para serem aplicados em animais. A outra novidade foi o mapeamento de 30 moléculas presentes em venenos de cobras, algumas com potencial ação farmacológica.
Estudos realizados em vários laboratórios colaboradores e nos laboratórios do Instituto Butantan pelo grupo da professora Maria Helena Bueno da Costa, que é doutora pelo Instituto de Química (IQ) da USP, levaram a descoberta do processo de nanoencapsulação de veneno.  Esta descoberta implicará numa economia significativa no processo de produção de soros antiofídicos. Os resultados foram recentemente publicados no jornal Current Drug Delivery, em sua edição de novembro de 2012, no artigo A Rational Design for the Nanoencapsulation of Poisonous Animal Venoms in Liposomes Prepared with Natural Phospholipids.
Em procedimentos normais o soro é obtido com a injeção do veneno da serpente em cavalos. Ao receber uma injeção, o animal produz um anticorpo que é purificado pelo Instituto Butantan. É o fragmento deste anticorpo que é administrado no homem. " Os fragmentos é que serão capazes de neutralizar a ação maléfica do veneno" , explica a pesquisadora. "É a chamada imunização passiva" , descreve Maria Helena.
Segundo ela, a inovação do processo está em se colocar (encapsular) o veneno nos lipossomas estáveis, que são feitos a partir de lipídeos naturais. " Os lipossomas funcionam como se fossem pequenas caixas que irão transportar o veneno. A novidade é que o lipossoma comporta o veneno de forma concentrada. Isso irá diminuir a dose que é aplicada no animal, porém, com o mesmo efeito" , garante a pesquisadora. A diminuição da dose também acarretará em menos animais utilizados e, portanto, na redução do custo de produção do soro.
Os experimentos realizados no Instituto Butantan foram feitos com camundongos e também em cavalos. O sistema já está devidamente patenteado e pronto para ser utilizado. Para se desenvolver o processo, foi produzido um filme de lipídeo. " Neste filme inserimos um inibidor do veneno para não destruir os lipídeos" , conta a cientista. Ela lembra que o veneno também foi modificado quimicamente para que tivesse diminuída a sua atividade fosfolipásica (destruidora dos lipídeos, componentes do lipossoma).
De acordo com a professora, trata-se de um estudo multidisciplinar que envolveu cientistas da área de química, física e bioquímica, entre outras. Os testes foram feitos utilizando veneno de jararaca e de cascavel. Maria Helena reforça que o material está pronto para ser utilizado. " O que resta agora é um estudo de escalonamento da produção para que se coloque o método em prática" , afirma a docente, que atualmente é uma voluntária da Cruz Vermelha Francesa, em Toulouse.
Agora vou falar da outra descoberta. Trinta novas moléculas - algumas com potencial ação farmacológica - foram descobertas no Instituto Butantan durante uma pesquisa que mapeou o conjunto de peptídeos existente no veneno de três espécies de serpentes do gênero Bothrops, entre elas a jararaca.
" O objetivo do trabalho era descrever a complexidade do peptidoma, ou conjunto de peptídeos, presente no veneno das espécies B. jararaca, B. cotiara e B. fonsecai" , contou Solange Maria de Toledo Serrano, coordenadora da pesquisa.
Os resultados do estudo, considerado o mais profundo já realizado sobre peptidomas de venenos de serpentes, foram divulgados em artigo publicado na edição de novembro da revista Molecular & Cellular Proteomics.
Foram sequenciados 44 peptídeos, dos quais 30 ainda eram desconhecidos. Entre as novas moléculas, pelo menos quatro já testadas apresentaram atividade de potenciação da bradicinina e inibição da atividade da enzima conversora de angiotensina, substâncias envolvidas no controle da pressão arterial.
O primeiro peptídeo potenciador de bradicinina isolado no veneno da jararaca ainda nos anos 1960 deu origem a toda uma classe de medicamentos anti-hipertensivos à qual pertence, por exemplo, o Captopril.
Para a pesquisadora, que estuda enzimas proteolíticas de venenos há algum tempo, foi importante utilizar abordagens de espectrometria de massas e bioinformática para mapear e descrever os pontos de clivagens - nas toxinas que sofrem a ação enzimática, principalmente de metaloproteinases, quando a " homeostase" do veneno é quebrada durante o processamento dos venenos para análise.
As análises foram realizadas no Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP. " Os venenos de serpentes são ricas fontes de peptídeos biologicamente ativos, no entanto, devido ao baixo número de sequências depositadas em bancos de dados, o avanço na descoberta de novas moléculas tem ocorrido de maneira lenta. Isso é ainda mais crítico para espécies raras, como a B. cotiara e a B. fonsecai, ambas consideradas sob risco de extinção e sobre as quais há poucos trabalhos publicados na literatura" , comentou a pesquisadora.
Os cientistas compararam três tipos de amostra: veneno fresco colhido na presença de inibidores de enzimas proteolíticas, veneno liofilizado diluído em uma solução com inibidores de enzimas proteolíticas e veneno liofilizado diluído em solução ácida. Esta última foi a que apresentou o maior número de fragmentos de proteínas, ou seja, sofreu maior degradação.
" Não esperávamos observar uma degradação tão forte das proteínas. Agora, será preciso estudar o impacto disso, por exemplo, na produção de soros antiofídicos, que normalmente é feita com veneno liofilizado" 
As serpentes do gênero Bothrops são responsáveis por cerca de 90% dos acidentes ofídicos que ocorrem no país. A grande maioria dos casos envolve a jararaca, comum no país inteiro. Já a B. cotiara está presente apenas nas regiões de mata araucária e a B. fonsecai, na Mata Atlântica.
Fontes: USP e Fapesp

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