Covid-19: A Importância das Modelagens Matemáticas

O emprego de modelos matemáticos que predizem o número de casos ou de mortes no curso de uma epidemia não são recentes. Pelo contrário, a história da epidemiologia registra um acúmulo de conhecimento de pelo menos 250 anos a respeito desse tema. Na figura vemos o gráfico que demonstra o Modelo SIR básico de descrição de uma epidemia, composto pelas letras iniciais de três grupos envolvidos na trajetória epidêmica: os Suscetíveis, os Infectados e os Recuperados. Esse modelo foi apresentado pela primeira vez em 1927 por dois pesquisadores holandeses e o seu gráfico mostra que , no curso de uma epidemia,  o número de pessoas suscetíveis (S, linha azul) cai, o de infectados (I, linha verde) oscila e o de recuperados (R, linha vermelha) aumenta.


Face a pandemia de Covid-19 que tem assolado o mundo nos últimos meses, a modelagem matemática de doenças infecciosas tem ganhado prestígio e visibilidade como nunca. Por descrever situações que mudam com rapidez e das quais têm apenas dados incompletos e mesmo oferecendo incertezas, a modelagem ainda se faz necessária na compreensão da evolução do flagelo.
O emprego de modelos matemáticos que predizem o número de casos ou de mortes no curso de uma epidemia não são recentes. Pelo contrário, a história da epidemiologia registra um acúmulo de conhecimento de pelo menos 250 anos a respeito desse tema.
A primeira modelagem matemática da propagação de doenças infecciosas é atribuída ao matemático e físico holandês Daniel Bernoulli (1700-1782). Bernoulli elaborou uma abordagem que mostrou a eficácia da técnica de inoculação preventiva contra a varíola, um problema comum na Europa naquele tempo. O matemático separou a população em dois grupos: os suscetíveis (os ainda não infectados) e os imunes, (os que já tinham adquirido proteção contra uma doença depois de a terem contraído). Suas equações levavam em conta três variáveis: 1- a taxa de reprodução da doença ou força média da infecção; 2- taxa de mortalidade e 3- a expectativa de vida no momento da infecção. Essas variáveis eram muito importantes para se entender o que faziam as pessoas se moverem do primeiro para o segundo grupo. 
Nos tempos do surto de cólera em Londres, no ano de 1954, os modelos matemáticos aliados ao trabalho de campo também teve a sua importância. O anestesiologista inglês John Snow (1813-1858), que não tinha nenhuma formação específica em epidemiologia, concluiu que a doença era causada por água contaminada de uma bomba de uso público na Broad Street e não pelo ar fétido da cidade, como pensavam os adeptos da chamada teoria miasmática.
Snow fez um mapa mostrando que as casas dos que haviam morrido estavam próximas à bomba de água contaminada e convenceu o reverendo Henry Whitehead (1825-1896) da veracidade da teoria da transmissão da cólera pela água e o estimulou a buscar o primeiro caso para refazerem o percurso do surto, com base em seu conhecimento dos moradores do bairro de Soho, onde o surto havia começado e se expandia. Em 1866, Whitehead acompanhou outro surto de cólera em Londres, desta vez com o epidemiologista britânico William Farr (1807-1883) pois Snow havia falecido em 1858.
Farr examinou a água fornecida por duas empresas aos moradores da cidade e descobriu que uma delas fornecia água contaminada e imediatamente ordenou que se afixassem cartazes alertando os moradores para não consumirem qualquer água que não tivesse sido previamente fervida.
Porém, foram dois estudiosos holandeses do Royal College of Physicians, de Edimburgo, o bioquímico William Ogilvy Kermack (1898-1970) e o epidemiologista Anderson Gray McKendrick (1876-1943), os responsáveis pela elaboração de uma teoria sobre a transmissão de doenças infecciosas que se tornou a base para as modelagens atuais. Aprofundando os conceitos de Bernoulli, eles apresentaram em 1927 o famoso modelo SIR, composto pelas letras iniciais de três grupos envolvidos na trajetória epidêmica: os Suscetíveis, os Infectados e os Recuperados. Os pesquisadores concluíram que no curso de uma epidemia, as pessoas mudam de um grupo para outro à medida que uma pessoa infectada transmite o patógeno para uma comunidade de indivíduos mais ou menos suscetíveis. A epidemia avança, de acordo com taxas de transmissão e letalidade que variam desde o início até o fim, e termina quando os suscetíveis, depois de terem sido infectados, tornam-se imunes e se recuperam ou morrem.
Na década de 1970, quando a modelagem matemática começou a ser feita com o uso de programas de computador, o modelo SIR ganhou alguns refinamentos. O R de recuperados passou a significar removidos, incluindo, além dos recuperados, os mortos.
Com base nesses conceitos, a partir dos anos 1980, o pesquisador da USP Eduardo Massad examinou os mecanismos de transmissão de malária, sarampo, dengue, febre amarela e, mais recentemente, síndrome respiratória aguda grave (Sars), zika, entre outras doenças infecciosas, quando possível propondo novas estratégias de prevenção. 
Na pandemia atual, pesquisadores que fazem parte do Observatório Covid-19 BR, uma plataforma on-line que analisa os dados sobre a evolução do número de casos da doença no Brasil usa o modelo Seir, com muitos mais compartimentos. Eles separam a população em Suscetíveis, Expostos (mas não infecciosos), Infecciosos (por sua vez divididos em graus leves e graves e hospitalizados ou não) e Por fim, os Removidos, (imunes ou mortos).
Os especialistas apontam que o principal limite dos modelos é a qualidade da informação que os alimenta, pois lidam com fenômenos que mudam rapidamente. Outro problema que contribui para a incerteza dos resultados é que a taxa inicial de transmissão do vírus entre as pessoas, a chamada R0, transforma-se em taxa efetiva, Re, ao longo da epidemia. Valores acima de 1 indicam que o número de casos está aumentando, próximos a 1 indicam estabilidade, abaixo, uma redução de casos novos.
Segundo Massad, mesmo fazendo correções constantes nos modelos utilizados, só será possível conhecer o provável alcance da pandemia depois de pelo menos um ano que ela tiver terminado, por meio da chamada soroprevalência, que indica, por meio de exames de sangue, a proporção de pessoas com anticorpos contra o vírus em relação ao número de casos registrados de pessoas infectadas.
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